No final da década de 80, inicio de 90, desencadeou-se um fenómeno musical global completamente fraturante com o passado. O conceito de do it yourself e do it with attitude mudou radicalmente o panorama musical de Cantanhede.
Num concelho com história ao nível das bandas filarmónicas e agrupamentos de baile, começou-se a ouvir, a exemplo do que se passava em todo o mundo, um grito de total e completa revolta para com o status quo. Começava, nesta altura o fenómeno das bandas de garagem!
Bastava uma ideia para rapidamente se passar à tentativa de se criar uma banda! A lógica estava sempre baseada no conceito de fazer qualquer coisa mas com muita atitude.
A oferta em termos de equipamento não era, nem de perto nem de longe, a que existe hoje, no entanto a genuinidade e a vontade de fazer era incomensuravelmente maior.
Foi mais ou menos nos primeiros 5 anos da década de 90 que, também eu, tive vontade de fazer parte desse fenómeno. Para se fazer parte de algo bastava ter, além da vontade, a “sorte” de ter os relacionamentos correctos para que no círculo de amigos surgisse logo uma solução para os nossos desejos. Após algumas conversas e algumas visitas a sótãos, garagens, arrecadações e até fábricas abandonadas para observar os artistas in motion, lá consegui a minha oportunidade! “Oceano” era o nome da música e falava de uns olhos azuis de uma jovem que se pareciam com o oceano… Post Mortem, nome mais adequado ao conceito geral do que à banda em si mesmo, foi o primeiro “projecto” onde participei activamente. Muito bem, neste processo havia sempre uma coisa que complicava a situação: ou tens instrumento e “arranhas” qualquer coisa, ou não havendo instrumento serás certamente o vocalista que procuramos… Calhou-me a segunda hipótese! 1 gig apenas foi o que fiz com este colectivo, numa discoteca da Lousã em que pela primeira vez tive a noção do quão difícil era desenvolver a coisa envolto numa nuvem de fumo tão grande que nem os meus compinchas conseguia ver! Obviamente que a aventura começou logo à partida em que um tio de um amigo da banda se disponibilizou para emprestar e conduzir uma carrinha onde foi colocado todo o material e os respectivos artistas (naturalmente que o senhor ficou até ao fim da noite à nossa espera!…)
Praxis Noire – novo projecto, um pouco mais desenvolvido (fundamentalmente por causa do espirito dos intervenientes ser um pouco diferente) mas a génese da coisa era exactamente a mesma, atitude rockstar qb e uma vontade de fazer algo com que nos identificássemos! Com malta mais nova do que eu, a coisa lá foi andando com letras em inglês, com material um pouco melhor e a eterna companhia da garagem do Ti Lusitano… o homem teve que sofrer um pouco com os decibéis debitados pelas Marshal do Márcio, pela bateria do Gabi (se repararem os nomes nada têm de rockstar, a genuinidade da coisa não permitia que se gastassem energias com esses pormenores…) e pelo baixo do alto Caio. No meio desta cowboyada toda apareço eu vindo nem sei bem de onde com letras que versavam que deus estava morto e coisas afins…
Com os Praxis Noire ainda fiz umas datas, as típicas festas de Liceu, um festival de Música Moderna na Praia da Tocha e por alguns sítios que nem vale a pena falar… tudo sempre com uma coisa presente: Let´s rock!!!
Falando do meu percurso pessoal, devo, por uma questão de reconhecimento, contar-vos que “A” banda percursora deste fenómeno foi (não tenho dúvidas em afirmá-lo) os Voodoo Chile, um colectivo constituído pelo Bruno na Bateria, Pedro Fonseca no baixo, Alexandre Maçãs na guitarra e o icónico Farinha no mic. Com actuações que ficaram para a história como a de uma festa da AE da Escola Secundária de Cantanhede em que o inicio teve como grande surpresa a entrada de um andor, ladeado por guardiões com tochas a arder em riste, de onde saltou um energético, frenético, louco e selvagem Tomé e que apanhou toda a gente de surpresa iniciando assim o espectáculo… Temas como “Detonation”, “Lucifer” e letras com insultos às mães dos políticos da altura foram o detonador para fazer explodir uma vontade, exageradamente contida, de uma geração que queria e podia fazer mais e melhor. Nota de realce que a geração de que falo foi rotulada como a “geração rasca”, a mesma que se manifestou contra PGA’s a mesma que mostrou traseiros a políticos,… a mesma que hoje se pode caracterizar como “geração à rasca” (isso são outras histórias)…