25 de Abril, uma data em que repetidamente se redigem e proclamam discursos que versam normalmente sempre sobre o mesmo. Desta vez tento aqui fazer algo de diferente. Tento aqui deixar à reflexão algo que nos últimos tempos me tem assaltado a consciência.
Foi no ano de 1974, como todos sabemos, que se escancararam as portas da democracia e da liberdade em Portugal. Como todos certamente concordarão, foi também no quarto mês do ano de 1974 que se escancaram as portas para um futuro de abertura ideológica, abertura económica e de uma abertura política, entre outras. Não ficando por aqui, certamente concordaremos novamente, que foi ao vigésimo quinto dia do quarto mês do ano de 1974 que se escancaram as portas para a implementação de uma sociedade igualitária, solidária, humanista que concretizasse todos os princípios básicos necessários para uma vida melhor para todos.
Reparemos que o que comemoramos hoje são os acontecimentos decorridos no dia 25 de Abril, no entanto tudo o que daí se desenrolou (entenda-se a partir do dia 26) ditou, como continua hoje a ditar, os caminhos que em conjunto todos tivemos e temos de trilhar.
Tenho para mim, que no meio de todo um conjunto de termos e expressões que são vulgarmente utilizadas neste dia, há um termo que nunca mereceu o destaque e a respetiva importância que deveria ter tido. A palavra é fácil de identificar, o seu conceito nem sempre se consegue implementar. Falo do termo “RESPONSABILIDADE”.
Vivemos tempos conturbados, com pandemias, guerras à porta da Europa, mas acima de tudo julgo que estamos a atravessar aquela fase na História em que os que viveram os momentos importantes da mesma, começam a ser poucos e os que julgam que a História é um mero aglomerado de acontecimentos começam a sentir a força dos ciclos que a própria História encerra.
Veja-se por exemplo a constatação dos populismos europeus, onde Portugal está inserido e compare-se com a primeira metade da História do séc. XX no nosso continente.
Em Cantanhede, penso que poderei dizê-lo sem correr o risco de errar, sempre houve uma cómoda estabilidade, fruto de um conservadorismo estruturado, e de uma ligação efetiva ao passado com raízes fortes na sua História e, devo também dizê-lo, uma parca formação sociológico-democrática. Considero que, também neste particular, a data que hoje comemoramos ajudou a desenvolver nos cantanhedenses uma perspetiva um pouco diferente, com um sentido critico um pouco mais desenvolvido que efetivamente concorre para o desenvolvimento da comunidade. Mas será suficiente?
A participação cívica dos cidadãos nas decisões que lhes dizem respeito é, a cada dia que passa, mais importante pois a distância que se criou entre os eleitores e os seus eleitos tem aumentado assustadoramente, tem, infelizmente eu diria, compreensivelmente crescido a falta de identificação entre as duas partes. A nós, que representamos quem nos elegeu, cumpre-nos concretizar algo que facilmente se identifica, mas que implica um grau de dificuldade extremo na sua concretização.
Cumpre-nos defender os superiores interesses de quem nos elegeu!
Esta defesa implica a concretização dos valores de Abril, claro que sim! Mas, chegando aqui à reflexão que me tem assaltado a consciência, serão os valores de Abril de hoje iguais aos de 1974?! Acredito que não.
Sei que não será simpático assumir esta hipótese como correta, mas, sem querer desvalorizar a nossa História, porque quem o faz hipoteca o seu futuro, considero que o grau de complexidade dos principais desafios que temos hoje pela frente são substancialmente superiores aos de 1974.
São substancialmente superiores em complexidade, mas certamente não o serão em dificuldade. É precisamente aqui que considero que poderá estar o segredo da solução que procuramos. No momento em que conseguirmos apreender na História a solução para o momento que vivemos, estaremos a dar mais um passo efetivo na concretização de Abril.
Para que isso se torne uma realidade, todos os valores encerrados em “Abril” serão determinantes, mas um assumirá o seu merecido papel de destaque.
A RESPONSABILIDADE!
Só com a assunção do valor da “RESPONSABILIDADE” e com a aceitação inequívoca do conceito de “RESPONSABILIZAÇÃO” poderemos dar os primeiros passos para concretizar as palavras da nossa poetisa Natália Correia, de quem se comemora este ano o centenário do seu aniversário (1923/1993).
“O que ficou da revolução do 25 de Abril? Ficou uma grande disponibilidade para as pessoas se organizarem”
Organizemo-nos, portanto, para que, concretizando os valores de um ido Abril de 74 se satisfaçam as reais necessidades de um povo do século XXI.
Termino agora com mais um excerto de um texto de outra poetisa, desta vez brasileira. Elisa Lucinda de seu nome termina o seu “Só de sacanagem” com
“Sei que não dá para mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!”.